quinta-feira, 3 de julho de 2008

Tipo Assim... (Luís Fernando Veríssimo)

Tipo Assim... (Luís Fernando Veríssimo)

Tô ficando velho!
Um dia desses, às 2 da manhã, peguei o carro e fui buscar minha filha
adolescente na saída do show do Charlie Brown Jr. Ela e as amigas estavam
eufóricas e eu ali, meio dormindo, meio de pijama, tentei entrar na
conversa:
- E aí, o show foi legal?
A resposta veio de uma mais exaltada do banco de trás:
- Cara! Tipo assim, foda!
E outra emendou:
- Tipo assim, foda mesmo!
Fiquei tipo assim calado o resto do percurso, cumprindo minha função de
motorista. Tô precisando conversar um pouco mais com minha filha, senão
daqui a pouco vamos precisar de tradução simultânea. Pra piorar ainda
mais,
inventaram o ICQ, essa praga da Internet onde elas ficam horas e horas
escrevendo abobrinhas umas pras outras, em código secreto. Tipo assim:
- kct! vc tmb nunk tah trank, kra. Eh d+, sl. T+ Bjoks. Jubys.
Em português:
- Cacete! Você também nunca está tranqüila, cara. É demais, sei lá. Até
mais, beijocas. Jubys".
Jubys, que deve ser pronunciado "diúbis", é isso mesmo que você está
imaginando, a assinatura.
Só que o nome de batismo é Júlia, um nome bonito, cujo significado é
"cheia
de juventude", que eu e minha mulher escolhemos, sentados na varanda,
olhando a lua... pois Jubys é hoje essa personagem de cabelo cor de
abóbora,
cheia de furos na orelha que quer encher o corpo de piercings e tatuagens.

Tô ficando velho!
Outro dia tentei explicar pro mesmo bando de adolescentes o que era uma
máquina de escrever. Nunca viram uma. A melhor definição que consegui foi

tipo assim um computador que vai imprimindo enquanto você digita". Acho
que
não entenderam
nada. Eu sou do tempo do mimeógrafo. Pra quem não sabe, é uma máquina que
você coloca álcool e dá manivela pra imprimir o que está na folha matriz.
Por sua vez, essa matriz precisa ser datilografada (ver "datilografia" no
dicionário) na tal máquina de escrever, sem a fita (o que faz com que você
só descubra os erros depois do trabalho feito), com o papel carbono
invertido... Enfim, procure na Internet que deve haver algum site sobre
mimeógrafo, papel carbono, essas coisas.
Se eu ficar explicando cada vocábulo descontinuado, não vou conseguir
acompanhar meu próprio raciocínio.
Voltando às garotas, a cultura cinematográfica delas varia entre a "obra"
de
Brad Pitt e a de Leonardo de Caprio. Há anos tento convencê-las a ver
"Cantando na Chuva", mas sempre fica para depois. Um dia, cheguei
entusiasmado em casa com a fita de um filme francês que marcou minha
infância: "A guerra dos botões". Juntei toda a família para a exibição
solene e a coisa não durou nem 5 minutos. O guri foi jogar bola, Jubys
inventou "um trabalho de história sobre a civilização greco-romana que tem
que entregar tipo assim até amanhã senão perde ponto" , e até minha
mulher,
de quem eu esperava um mínimo de solidariedade, se lembrou que tinha um
compromisso com hora marcada e se mandou. Fiquei ali, assistindo sozinho e
lembrando do tempo em que eu trocava gibi na porta do Capitólio.

Uma amiga me contou que o filho de 10 anos ficou espantado quando viu um
telefone de discar. Sabe telefone de discar? É tipo assim um aparelho sem
teclas, geralmente preto, com um disco no meio, todo furado, onde cada
furo
corresponde a um algarismo. Você enfia o dedo indicador no buraco
correspondente ao número que precisa registrar, gira o negócio até uma
meia
lua de metal e solta a roleta, que lá por dentro está presa a uma mola e
faz
ela voltar à sua posição inicial.
Esse aparelho serve para conversar com outra pessoa como qualquer telefone
comum, desde que esteja, é claro, conectado na parede.
Eu sou do tempo em que vidro de carro fechava com maçaneta. E o Fusca
tinha
estribo e quebra vento. Não espalha, mas eu andei de Simca Chambord, de
DKW,
Gordini, Aero Willis e até de Romiseta. Não dá pra explicar aqui o que era
uma Romiseta, só vou dizer que era tipo assim um veículo automotivo, com 3
rodas, que a gente entrava pela frente e a direção era grudada na porta.
Procure na Internet, deve haver um site.
Tá bom, tá bom, confesso mais. Usei Camisa Volta ao Mundo, casaquinho de
Banlon, assisti à Jovem Guarda, o Direito de Nascer... mas é mentira essa
história de que meu primeiro disco gravado foi em 78 rotações. Há pouco
tempo, João, meu filho de 8 anos, pegou um LP e ficou fascinado. Botei pra
tocar e mostrei a agulha rodando dentro do sulco do vinil. Expliquei que
aquele atrito gerava o som que estávamos escutando... mas aí ele já estava
jogando o Pokemon Stadium no Game Boy. Não é que ele seja desinteressado,
eu
é que fiquei patinando nos detalhes. Ele até que é bastante curioso e
adora
ouvir as "histórias do tempo em que eu era criança". Quando contei que a
TV,
naquela época, era toda em preto e branco ele "viajou" na idéia de que o
mundo todo era em preto e branco e só de uns tempos para cá é que as
coisas
começaram a ganhar cores. Acho que de certa forma ele tem razão. Tipo
assim...



Quando tinha 14 anos, esperava ter uma namorada algum dia.
Quando tinha 16 anos tive uma namorada, mas não tinha paixão.
Então percebi que precisava de uma mulher apaixonada, com vontade de viver.
Na faculdade sai com uma mulher apaixonada, mas era emocional demais. Tudo
era terrível, era a rainha dos problemas, chorava o tempo todo e ameaçava se
suicidar.
Então percebi que precisava de uma mulher estável.
Quando tinha 25 encontrei uma mulher bem estável, mas chata.
Era totalmente previsível e nunca nada a excitava. A vida tornou-se tão
monótona que decidi que precisava de uma mulher mais excitante.
Aos 28 encontrei uma mulher excitante, mas não consegui acompanhá-la de um
lado para o outro sem se deter em lugar nenhum. Fazia coisas impetuosas e
paquerava com qualquer um que me fez sentir tão miserável como feliz. O
começo foi divertido e eletrizante, mas sem futuro.
Então decidi buscar uma mulher com alguma ambição.
Quando cheguei nos 31, encontrei uma mulher inteligente, ambiciosa e com os
pés no chão.
Decidi me casar com ela. Era tão ambiciosa que pediu o divórcio e ficou com
tudo que eu tinha.
Hoje, com 40 anos, gosto de mulheres com bunda grande...
E só.
"Nada como a simplicidade..."


( Luís Fernando Veríssimo )

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