domingo, 10 de janeiro de 2010

> > *Eis aí a mais perfeita descrição do “veraneio” Gaúcho.*

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> > Paulo Wainberg*
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> > Está chegando o verão e com ele o veraneio, como chamamos aqui no Sul.
> >
> > Não sei se vocês, de outros Estados, sabem, mas temos o mais
> > fantástico litoral do País: de Torres ao Chuí, uma linha reta, sem
> > enseadas, baias, morros, re-entrâncias ou recortes. Nada! Apenas uma
> > linha reta, areia de um lado, o mar do outro.
> >
> > Torres, aliás, é um equívoco geográfico, contrário às nossas raízes
> > farroupilhas e devia estar em Santa Catarina.
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> > Característica nossa, não gostamos de intermediários.
> >
> > Nosso veraneio consiste em pisar na areia, entrar no mar, sair do mar
> > e pisar na areia. Nada de vistas deslumbrantes, vegetações
> > verdejantes, montanhas e falésias, prainhas paradisíacas e outras
> > frescuras cultivadas aí para cima.
> >
> > O mar gaúcho não é verde, não é azul, não é turquesa.
> >
> > É marrom!
> >
> > Cor de barro iodado, é excelente para a saúde e para a pele! E nossas
> > ondas são constantes, nem pequenas nem gigantes, não servem para pegar
> > jacaré ou furar onda.O solo do nosso mar é escorregadio, irregular,
> > rico em buracos. Quem entra nele tem que se garantir.
> >
> > Não vou falar em inconvenientes como as estradas engarrafadas,
> > balneários hiper-lotados, supermercados abarrotados, falta de
> > produtos, buzinaços de manhã de tarde e de noite, areia fervendo,
> > crianças berrando, ruas esburacadas, tempestades e pele ardendo,
> > porque protetor solar é coisa de fresco e em praia de gaúcho não tem
> > sombra. Nem nos dias de chuva, quase sempre nos fins-de-semana,
> > provocando o alegre, intermitente, reincidente e recorrente coaxar dos
> > sapos e assustadoras revoadas de mariposas.
> >
> > Dois ventos predominam, em nosso veraneio: o nordeste – também chamado
> > de nordestão – e o sul, cuja origem é a Antártida.
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> > O nordestão é vento com grife e estilo... estilo vendaval.
> >
> > Chega levantando areia fina que bate em nosso corpo como milhões de
> > mosquitos a nos pinicar. Quem entra no mar, ao sair rapidamente se
> > transforma no – como chamamos com bom-humor – veranista à milanesa. A
> > propósito, provoca um fenômeno único no universo, fazendo com que o
> > oceano se coloque em posição diagonal à areia: você entra na água bem
> > aqui e quando sai, está a quase um quilômetro para sul. Essa distância
> > é variável, relativa ao tempo que você permanecer dentro da água.
> >
> > Outra coisa: nosso mar é pra macho! Água gelada, vai congelando seus
> > pés e termina nos cabelos. Se você prefere sofrer tudo de uma vez,
> > mergulhe e erga-se, sabendo que nos próximos quinze minutos sua
> > respiração voltará ao normal: é o tempo que leva para recuperar-se do
> > choque térmico.
> >
> > Noventa por cento do nosso veraneio é agraciado pelo nordestão que,
> > entre outras coisas, promove uma atividade esportiva praiana,
> > inusitada e exclusiva do Sul: Caça ao guardassol. Guardassol, você
> > sabe, é o antigo guarda-sol, espécie de guarda-chuva de lona, colorida
> > de amarelo, verde, vermelho, cores de verão, enfim, cujo cabo tem uma
> > ponta que você enterra na areia e depois senta embaixo, em pequenas
> > cadeiras de alumínio que não agüentam seu peso e se enterram na areia.
> >
> > Chega o nordestão e... lá se vai o guardassol, voando alegremente pela
> > orla e você correndo atrás. Ganha quem consegue pegá-lo antes de ele
> > se cravar na perna de alguém ou desmanchar o castelo de areia que, há
> > três horas, você está construindo com seu filho de cinco anos.
> >
> > O vento sul, por sua vez, é menos espalhafatoso. Se você for para a
> > praia de sobretudo, cachecol e meias de lã, mal perceberá que ele está
> > soprando. É o vento ideal para se comprar milho verde e deixar a água
> > fervente escorrer em suas mãos, para aquecê-las.
> >
> > Raramente, mas acontece, somos brindados com o vento leste, aquele que
> > vem diretamente do mar para a terra. Aqui no Sul, chamamos o vento
> > leste de ‘vento cultural’, porque quando ele sopra, apreendemos
> > cientificamente como se sentem os camarões cozinhados ao bafo.
> >
> > E, em todos os veraneios, acontece aquele dia perfeito: nenhum vento,
> > mar tranquilo e transparente, o comentário geral é: “foi um dia de
> > Santa Catarina, de Maceió, de Salvador” e outras bichices. Esse dia
> > perfeito quase sempre acontece no meio da semana, quando quase ninguém
> > está lá para aproveitar. Mas fala-se dele pelo resto do veraneio, pelo
> > resto do ano, até o próximo verão.
> >
> > Morram de inveja, esta é outra das coisas de gaúcho!
> >
> > Atenta a essas questões, nossa industria da construção civil,
> > conhecida mundialmente por suas soluções criativas e inéditas,
> > inventou um sistema maravilhoso que nos permite veranear no litoral a
> > uma distância não inferior a quinhentos metros da areia e, na maioria
> > dos casos, jamais ver o mar: os famosos condomínios fechados.
> >
> > A coisa funciona assim: a construtora adquire uma imensa área de terra
> > (areia), em geral a preço barato porque fica longe do mar, cerca tudo
> > com um muro e, mal começa a primavera, gasta milhares de reais em
> > anúncios na mídia, comunicando que, finalmente agora você tem ao seu
> > dispor o melhor estilo de veranear na praia: longe dela. Oferece
> > terrenos de ponta a ponta, quanto mais longe da praia, mais caro é o
> > terreno. Você vai lá e compra um.
> >
> > Enquanto isso a construtora urbaniza o lugar: faz ruas, obras de
> > saneamento, hidráulica, elétrica, salão de festas comunitário, piscina
> > comunitária com águas térmicas, jardins e até lagos e lagoas
> > artificiais onde coloca peixes para você pescar. Sem falar no ginásio
> > de esportes, quadras de tênis, futebol, futebol-sete, se o lago for
> > grande, uma lancha e um professor para você esquiar na água e todos os
> > demais confortos de um condomínio fechado de Porto Alegre, além de um
> > sistema de segurança quase, repito, quase invulnerável.
> >
> > Feliz proprietário de um terreno, você agora tem que construir sua
> > casa, obedecendo é claro ao plano-diretor do condomínio que abrange
> > desde a altura do imóvel até o seu estilo.
> >
> > O que fazemos nós, gaúchos, diante dessa fabulosa novidade? Aderimos,
> > é claro. Construímos as nossas casas que, de modo algum, podem ser
> > inferiores as dos vizinhos, colocamos piscinas térmicas nos nossos
> > terrenos para não precisar usar a comunitária, mobiliamos e equipamos
> > a casa com o que tem de melhor, sobretudo na questão da tecnologia:
> > internet, TV à cabo, plasma ou LSD, linhas telefônicas, enfim,
> > veraneamos no litoral como se não tivéssemos saído da nossa casa na
> > cidade.
> >
> > Nossos veraneios costumam começar aí pela metade de janeiro e terminar
> > aí pela metade de fevereiro, depende de quando cai o Carnaval. Somos
> > um povo trabalhador, não costumamos ficar parados nas nossas praias.
> > Vamos para lá nas sextas-feiras de tarde e voltamos de lá nos domingos
> > à noite. Quase todos na mesma hora, ida e volta.
> >
> > É assim que, na sexta-feira, pelas quatro ou cinco da tarde, entramos
> > no engarrafamento. Chegamos ao nosso condomínio lá pelas nove ou dez
> > da noite. Usufruímos nosso novo estilo de veranear no sábado – manhã,
> > tarde e noite – e no domingo, quando fechamos a casa.
> >
> > Adoramos o trabalhão que dá para abrir, arrumar e prover a casa na
> > sexta de noite, e o mesmo trabalhão que dá no domingo de noite.
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> > E nem vou contar quando, ao chegarmos, a geladeira estragou, o sistema
> > elétrico pifou ou a empregada contratada para o fim-de-semana não veio.
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> > Temos, aqui no Sul, uma expressão regional que vou revelar ao resto do
> > mundo: Graças a Deus que terminou esta bosta de veraneio!


ps: recebi por email
ps2:Sempre gostei mais de Florianópolis em SC, mas o autor retratou muito bem o veraneio gaúcho.