quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O que dizer de São Paulo?

Encontrei um texto muito bom em uma revista TRIP de 2005, eles pediram para um escritor colombiano dar um "rolê" a pé na cidade e o resultado da reflexão saiu assim:

PUTA SOL EM SÃO PAULO
1. O avião aterrissou entre os edifícios de São Paulo como um pássaro cego na noite invisível. Embaixo perdi todo o senso de orientação; era uma meia-noite sem lua e a cidade um rigoroso labirinto de anúncios multicoloridos oferecendo todos os sonhos possíveis e também os impossíveis. No dia seguinte me despertou o canto dos pássaros , olhei pela janela.
Estava no 17 andar do hotel e a paisagem lá fora se reduzia às paredes e janelas dos outros edifícios. Onde estavam os pássaros? Olhei acima o céu nublado, sem indícios de sol, e abaixo os milhares de transeuntes , e velozes automóveis como um rio escuro correndo para parte alguma.
2. O que o viajante tem em mente: os brasileiros sempre estão em festa, todos têm corpos esculturais, as mulheres respiram sexo, a música chega até os cantos mais escondidos, a desordem é a sua religião, é o país mais verde do mundo. O que o viajante vê: os brasileiros não chegam a festa por culpa do engarrafamento, estão gordos de tanto comer pão de queijo, as mulheres respiram cerveja, o barulho infernal dos operários trabalhando nas ruas não deixa ouvir a música, são mais ordeiros que um suíço e para ver uma árvore há que se viajar quilômetros.
3. Ver São Paulo do terraço do edifício Itália é assustador. Os espremidos arranha céus se sobrepõem uns aos outros anulando para sempre o horizonte. Nada se move, o céu talhado por uma furiosa geometria parece o sujo pano de fundo de um pesadelo frio e cruel. Há nisso tudo uma beleza trágica que lembra The Waste Land, de T.S. Eliot. Ainda não vi o sol em São Paulo.
4. Detrás de uma antiga estação de trem está o Parque da Luz, numa região decadente com edifícios que parecem a ponto de cair; no entanto, tudo ali respira vida. Ou quase tudo: as esculturas do parque, horríveis e arrogantes monumentos da estupidez humana, deveriam ser fundidas para fazer masi bancos. Minha voz interior diz: Mais putas e menos artistas, por favor.
5. Os paulistas são retraidos até beberem cerveja. Afetuosos e um pouco tristes. Abertos de noite e fechados de dia. Em sua alegria há algo contido. Sinto que há mais idéia de sexo que sexo. Mais palavras que caricias. Mais beijos que sentimentos.
6. Outra vez me despertam os pássaros. Onde, diabos, se escondem? Provavelmente os arranha-céus estão repletos de homens pássaros que cantam cada amanhecer e se alimentam nas esponjosas nuvens de smog. As crianças pássaros aprendem a voar olhando os aviões, as mães pássaros limpam gaiolas todo dia e jogam a merda por um tubo de metal que a vomita para os suburbios de São Paulo, a periferia invisível ao viajante.
7.Estréio meus sapatos Valentino para conhecer a noite na rua Augusta. Nas fachadas dos bares o neon emite raios ermelhos e azuis, as paredes cobertas por espelhos multiplicam cada cena. Nas primeiras esquinas as garotas oferecem sensações inesquecíveis e mais a frente travestis imponentes e rapazes que desafiam a garoa em camisetas leves.
8. É morena , pequena e inquieta. Chama-se Sol. Meu primeiro sol nesta cidade de pedra. De perto é mais jovem, quase uma menina. Seu sorriso poderia fundir o aço; ela respira toda a inocente sexualidade que os anúncios prometiam.
Na minha cabeça cintila uma frase de neón: a mulher nasce puta e a sociedade a corrompe.

AUTOR: EFRAIM MEDINA REYES
REVISTA TRIP DEZEMBRO 2005.

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